12/06/2015 12h38

Uma jornada de arte e lição de vida

Artistas artesãos do Sertão realizam o primeiro “Encontro de Mestres” no povoado Ilha do Ferro

Maria Amélia Vieira ajudando a difundir e dar visibilidade a arte dos ribeirinhos pelo mundo afora

Jorge Barboza/Assessoria

A satisfação do dever cumprido. Era o que parecia estampado nos rostos de mestres artesãos dos municípios de Pão de Açúcar, Belo Monte e Batalha, reunidos no domingo (7), último dia do projeto “Encontro de Mestres”, que ocorreu no povoado Ilha do Ferro, às margens do rio São Francisco, em Pão de Açúcar. A ação – coordenada pelos artistas visuais Dalton Costa e Maria Amélia Vieira – foi mais um empreendimento cultural do museu Coleção Karandash de Arte Popular e Contemporânea junto a esses talentosos artistas do Sertão alagoano. Patrocínio da Caixa Econômica, com apoio do Sebrae.

Reunidos na casa do artista Valmir Lima – no ateliê que ele herdou do sogro, o mestre pioneiro Fernando Rodrigues (1928-2009) –, estiveram trabalhando e trocando ideias, colaborando mutualmente, os artistas da Ilha do Ferro, além de Valmir, Zé de Tertulina, Vandinho, Aberaldo Sandes e Neto; Petrônio Farias, do assentamento Riacho Grande, e Clemilton Silva do povoado vizinho Mata da Onça. De Belo Monte, Jasson, e de Batalha, Chico Cigano.

Foi uma festa ou – como declarou Petrônio – foram umas boas férias. “Eu tirei férias. Foi divertido, curtindo a vida e conhecendo esse pessoal, aprendendo e dando sequência ao trabalho. Trabalhando e se divertindo”, disse o mestre que, no ano passado, foi escolhido por uma comissão do museu Théo Brandão de Folclore e Antropologia como “artista do ano”.

Objetivos decorativos expostos pelos artesãos

“Esse é o tipo de atividade que deveria ser estimulada nas escolas do governo municipal – dessa forma, surgiriam muitos novos artistas. Alagoas tem demonstrado um grande potencial, especialmente sobre essa arte mais rústica. Em outros Estados, os artistas querem elaborar demais. Mas para quê dar outra forma ao que já é belo por Natureza?”, discorre Petrônio, referindo-se à essência do trabalho que boa parte dos artistas pãodeaçucarenses é adepta, ao esculpir em madeira seguindo as formas originais dos troncos, galhos e raízes, que vão despertando neles a lembrança de onças, cobras e tatus, entre uma infinidade de criaturas imaginadas e transformadas em bancos, cadeiras ou simplesmente “bonecos”.

Aberaldo é pródigo na feitura dos bonecos e ex-votos (para quem não sabe, o ex-voto é uma escultura de parte do corpo doada por fieis aos santos de devoção, em agradecimento por uma graça alcançada). Diz que achou “legal” toda essa movimentação na Ilha do Ferro – encontrar esse pessoal animado reunido no ateliê de Valmir, na localidade, segundo os próprios artistas do povoado, “mais fresca” do Sertão: a famosa “Boca do Vento” de seu Fernando.

“Foi a primeira vez que ocorreu isso de encontrar artistas de outra cidade. Eventos como esse sempre traz novas informações. Acho interessante fazer outra reunião, daqui a um ano, talvez até com mais artistas.”

O belo-montense Jasson disse estar “feliz por estar fazendo esse trabalho”. “A Maria Amélia me colocou entre esses mestres que estou conhecendo agora, trocando ideias. Aprendi muitas coisas com eles que levarei para o meu trabalho. Foi ótimo. Era o que eu mais queria – lá em Belo Monte tem pessoas que dizem que sou maluco por causa desse trabalho que faço, que eu não giro bem. Mas o que eu faço é aproveitar a coisa da Natureza, transformando-a em arte. E está dando certo. Quero que tenha mais encontros como esse, quanto mais melhor. A gente que vive nessa luta procura sempre melhorar.”

Um dos mais festivos artesãos entre essa moçada que vai dos 25 anos – que é a idade de Clemilton, o artista solitário da Mata da Onça – aos 63 anos do piadista Chico Cigano, de Batalha. “Foi bom demais, se eu pudesse ficava aqui até o resto ano”, diz o grande artista batalhense, cheio de prosa. “Quero que marque outro encontro, mas que demore mais – cinco dias foi muito pouco. Troquei muita ideia com esses meninos.”

Esculpindo a madeira não de forma tão “rústica” como propagou Petrônio, lixando-a e alisando-a por demais, diz que gosta, sobretudo, do artesanato, e que o trabalho de marceneiro é mais um complemento do “ganha pão”.

“Depois que passo a grosa [a lima de marceneiro], passo a lixa de 120 ou 150. Madeira boa de trabalhar é imburana e a jaqueira e, também, a algaroba, o figo, a castanhola e a craibeira”, diz o mestre artesão, confeccionador dos bules e chaleiras pesadas de jaqueira bem lisa que apresentou no encontro da Karandash.

“Depois que eu passo a lixa, vem a cera, dessa de encerar piso. Em seguida pego um pedaço de calça jeans e boto para esquentar no sol. Com o pano bem quente, eu passo na peça tirando todo o excesso de cera e pronto. É assim que eu faço – isso dura uns três dias.”

E a obra – a chaleira, o bule – custa aproximadamente R$ 200. “Lá em Batalha é difícil vender. Maria Amélia compra sempre de mim”, explica.

E adeus marceneiros, adeus artesãos, artistas incríveis desse Sertão das Alagoas – o barco Museu no Balanço das Águas vai pegar a correnteza e atracar outra vez na cidade de Pão de Açúcar. Até a próxima – Deus esteja com todos vocês.

Jasson, Neto, Clemilton trabalham com todo cuidado no esculpir da arte representativa das comunidades do Velho Chico

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