24/12/2018 9h07

Pacientes com Aids se mostram mais suscetíveis a desenvolver câncer

O sarcoma de Kaposi é o mais comum em pessoas com a síndrome; paciente relata prejuízos de não ter iniciado cedo o tratamento

Infectologista Mardjane Lemos diz que doenças oportunistas, como o câncer, acometem vítimas da Aids

Após décadas da popularização do vírus, ainda hoje o medo e o estigma podem contribuir para que uma importante parcela da população não faça a testagem rápida para o HIV. O diagnóstico precoce é benéfico para a saúde do soropositivo, pois ele já pode iniciar o tratamento médico antes de adoecer e agravar seu estado clínico. Segundo a infectologista e superintendente de Vigilância em Saúde da Secretaria de Estado da Saúde (Sesau), Mardjane Lemos, pacientes com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids) têm maior suscetibilidade a desenvolver os mais variados cânceres. Além disso, eles apresentam uma taxa de sobrevida muito menor em razão das doenças oportunistas.

Entre os principais tipos de câncer que acometem os soropositivos estão o de boca, do colorretal e do aparelho digestivo, bem como o sarcoma de Kaposi (KP). Este último é o mais comum, sendo raro em pessoas com o sistema imunológico íntegro. Na pele branca, surgem lesões em forma de manchas avermelhadas, róseas ou violáceas, que se espalham pelo corpo e na região da boca e da faringe. Na pele negra, elas adquirem a coloração marrom ou escura.

O sarcoma de Kaposi é um tipo de câncer que acomete as camadas mais internas dos vasos sanguíneos. Além das lesões na pele, podem surgir outras semelhantes nos gânglios, no fígado, nos pulmões e por toda a extensão da mucosa intestinal e dos brônquios. É comum, também, elas se instalarem na parte interna das bochechas, gengivas, lábios, língua, amídalas, olhos e pálpebras, segundo informa a infectologista da Sesau.

Outros sintomas do sarcoma de Kaposi são inchaço, principalmente nos membros inferiores, por causa da retenção de líquido e, nos casos mais graves, sangramentos digestivos e insuficiência respiratória. O tratamento do sarcoma de Kaposi, de acordo com Mardjane Lemos, inclui quimioterapia e radioterapia, imunoterapia e drogas para inibir a formação de vasos sanguíneos. “Os medicamentos antirretrovirais contra o HIV diminuem o risco da doença nos portadores desse vírus e ajudam a promover a regressão das lesões”, explicou.

Há, também, outros tipos de câncer que têm relação indireta, como o de colo de útero. “O fato de a pessoa ter contraído o HIV predispõe a infecção pelo HPV [Papiloma Vírus Humano], que atinge a pele e as mucosas, podendo causar verrugas ou lesões precursoras do câncer, como é o caso do de colo de útero”, destacou a infectologista.

Mardjane Lemos ressalta que a etiologia do câncer é multifatorial e, portanto, não surge por um fator específico. O câncer de estômago, por exemplo, tem uma interação com infecções causadas por alguns tipos de bactéria, como a H. pylori, responsável pela ocorrência da maioria das úlceras e da gastrite crônica – quando ocorre a inflamação do estômago. “São microrganismos oncogênicos com capacidade de provocar o câncer que, diante da queda da imunidade, invadem as células do corpo e predispõem a formação da doença”, salientou.

A infectologista e superintendente de Vigilância em Saúde da Sesau frisou que todos esses cânceres podem acometer qualquer pessoa. A maior prevalência, no entanto, é em pacientes com Aids, visto que eles têm uma queda no sistema imunológico e, desse modo, a bactéria ou o vírus tem uma maior facilidade de invadir o corpo e levar à formação da doença.

 

A fase terminal

 

Pietro Rocha (nome fictício), de 26 anos, só descobriu ser portador do vírus HIV em 2013, quando a sífilis voltou a acometê-lo. A infecção já causava-lhe feridas pelo corpo, manchas vermelhas e, sobretudo, lesões na palma das mãos – sintomas que, para ele, eram facilmente confundidos com uma alergia cutânea.

Ele chegou a tomar antialérgicos, o que só aumentou as reações, afinal elas eram tentativas do corpo de sinalizar a doença, e uma medicação equivocada para os sintomas mascaravam o pedido de socorro – passe livre para o jovem voltar a transar sem preservativo e multiplicar a espécie da bactéria.

“Pense no meu desespero de vir sozinho para o Hospital Helvio Auto, aos 19 anos, e receber o diagnóstico de estar infectado pelo vírus HIV. A psicóloga conversou comigo sobre a importância do tratamento, mas, dentro de mim, algo dizia para eu não fazer. E foi assim que aconteceu”, contou Pietro.

O preconceito velado da sociedade, segundo o jovem, aumentou a dúvida sobre contar ou não sobre a soropositividade. “Isso gerou um medo de que, quando os outros viessem a saber, despertasse neles o lado mais sombrio, a rejeição. O prejulgamento é pior do que o próprio tratamento, pois causa uma pressão forte sobre o portador do vírus, que acaba optando por esconder sua condição sorológica”, disse. Pietro passou cinco anos convivendo com o HIV, sem apresentar sintomas ou qualquer outra reação.

No entanto, com o frequente ataque do vírus em seu corpo, as células de defesa começavam a funcionar com menos eficiência até serem destruídas. O organismo de Pietro ficava cada vez mais fraco e vulnerável a infecções oportunistas. À época, o jovem foi diagnosticado com tuberculose ganglionar – que é bacteriana e acomete os gânglios linfáticos, também conhecidos como linfonodos. Além do aumento dos gânglios com dor local, ele passou a ter febre, diarreia, suores noturnos e emagrecimento. Os 63 kg foram reduzidos para 41 num curto espaço de tempo.

Em 21 de fevereiro deste ano, dia em que sua mãe, Joana, de 52 anos, comemorava mais um aniversário, a situação ficou crítica e o rapaz precisou ser levado às pressas a um ambulatório, visto que seu tio suspeitava que ele já estivesse com os sintomas da Aids. Chegando lá, a desconfiança foi confirmada com exames laboratoriais. No entanto, o que Pietro e a família não esperavam era que, além do diagnóstico da síndrome, o jovem também estivesse com um câncer instalado no intestino.

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