14/06/2018 13h42

Carta enviada pelo dr. José Wanderley Neto à Mesa Administrativa da Santa Casa e aos alagoanos

Meu nome é José Wanderley Neto, alagoano de Cacimbinhas, médico, cirurgião cardiovascular com mais de 40 anos de história profissional e dedicação à cardiologia e à honrosa instituição filantrópica, Santa Casa de Misericórdia de Maceió

Carta enviada pelo dr. José Wanderley Neto à Mesa Administrativa da Santa Casa e aos alagoanos, em maio deste ano.

O anexo 1 trata de um protesto contra o FECHAMENTO DO CENTRO CIRÚRGICO CARDÍACO, encaminhado por ele à Mesa Administrativa da Santa Casa, em dezembro de 2014.

O anexo 2 foi resultado de várias reuniões com 110 médicos, também entregue à Mesa Administrativa, no início de 2015, e igualmente sem nenhuma resposta nem tampouco qualquer providência.

 

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Médico José Wanderley Neto

Maceió, 14 de Maio de 2018

Meu nome é José Wanderley Neto, alagoano de Cacimbinhas, médico, cirurgião cardiovascular com mais de 40 anos de história profissional e dedicação à cardiologia e à honrosa instituição filantrópica, Santa Casa de Misericórdia de Maceió.

Durante esse período não medimos esforços para salvar vidas e acalentar os corações dos que mais necessitam de assistência, o alagoano pobre e dependente do SUS. São pessoas que precisam da essência filantrópica do hospital e abnegação de sua equipe médica.

Estivemos sempre, eu e toda a minha equipe de médicos e demais profissionais de saúde, superando os desafios e obtendo conquistas para a cardiologia alagoana, e, agregando ensino, pesquisa e assistência, operamos mais de 20.000 doentes e treinamos mais de 80 cardiologistas, colocando Alagoas no mapa cientifico do Brasil ao realizar contribuições relevantes e originais que serviram de modelo para o país, a exemplo o programa de transplante de coração, iniciado há 25 anos, com histórias de vida emocionantes.

Mas, revestido com a falácia FINANCEIRA, o espírito original e norteador das ações clínicas e institucionais da Santa Casa, que é a FILANTROPIA, se perdeu com o comando ditatorial de uma gestão predatória, que busca eliminar os que não concordam com o afastamento da instituição do seu motivo SER, defnido desde quando fundada há mais de 150 anos, que é cuidar dos mais desfavorecidos e prestar um serviço de excelência e humanizado para toda a população alagoana.

Em 2014, a atual direção da Santa Casa de Misericórdia de Maceió decidiu fechar o centro cirúrgico da cardiologia, iniciando o desmonte de todo o serviço. Na ocasião, comunicamos à Mesa Administrativa, por escrito, para que ficasse marcada a posição da equipe alinhada com as melhores práticas de cuidados em cardiologia (anexo I).

O desmonte, injustificável, continuou com várias medidas tomadas pela atual direção e causou a divisão do corpo clínico e separamento dos setores, promovendo discórdia e fazendo desaparecer, gradativamente, a importante contribuição dos cardiologistas fundadores do serviço de cardiologia e a referência na especialidade.

O Dr. Cid Célio Cavalcante é uma das vítimas desse desmonte. Ele abandonou constrangido o serviço de hemodinâmica ao constatar que dois médicos tinham entrado no serviço sem a sua anuência e sem nenhuma necessidade técnica ou justificativa.

Os médicos fundadores do serviço de cardiologia que permanecem não são chamados para serem ouvidos pela atual direção e, por isso, lamentavelmente, não têm nenhuma participação nas decisões, sejam administrativas ou técnicas.

Leitos foram suprimidos, decisões foram tomadas a esmo, sem consulta ao Conselho Médico, que continua fechado, sendo introduzida mais uma “equipe de cirurgia” sem necessidade ou fundamento. De modo que, atualmente, não temos mais uma equipe de cirurgia cardíaca na Santa Casa, mas cirurgiões que operam doentes quando há vagas.

A ação de desmonte continuou com o fechamento do Instituto de Doenças do Coração (IDC), onde dispúnhamos de sala administrativa, sala de reuniões e biblioteca que proporcionaram um vitorioso programa de treinamento em cirurgia cardiovascular, essencial para que tivéssemos a continuidade e a ampliação do atendimento cirúrgico no estado.

Diante dessa situação incompreensível, do desmonte injusto e irracional, comunico que não sou mais o coordenador da cardiologia e da cirurgia cardiovascular da Santa Casa.

Entretanto, esclareço que o Instituto de Doenças do Coração (agora extinto pela direção) continuará existindo, porque é uma ideia bem-sucedida, em defesa do ensino, da pesquisa e da assistência, e não depende de estrutura física ou de bens materiais.

Portanto, sendo uma ideia, permanecerá vivo e atuante, sendo substituído apenas por outra ideia melhor. E continuará existindo graças aos inúmeros cardiologistas que foram formados e atuam em Alagoas e na Santa Casa.

A equipe da cardiologia e cirurgia cardiovascular, conforme histórico e cartas envidas a Mesa Administrativa da Santa Casa de Misericórdia de Maceió, nunca se recusou a contribuir com a gestão e na melhoria de fluxos e processos, visando sempre o bem estar do paciente e sustentabilidade financeira para manutenção dos programas e ações assistenciais.

Lembro que em janeiro de 2015, parte expressiva do corpo clinico solicitou reunião com a Mesa Diretora da Santa Casa, que só foi agendada em junho do mesmo ano, e manifestou por escrito (anexo II) o inconformismo gerl, sem, entretanto, qualquer mudança visível. Coordenado pelo Prof. Carlos Macias, foi sugerido um plano de estruturação da Cardiologia que foi solenemente ignorado pela direção.

Em que pese as circunstâncias adversas, continuarei como cirurgião na Santa Casa e cuidarei de quem me procurar, embora lamente, profundamente, que existam grandes limitações impostas pelo modelo adotado pela direção para a realização do exercício pleno da cirurgia cardiovascular.

Compreendo, plenamente, que a Santa Casa é um hospital comunitário e que as pessoas que o administram passam.

Entretanto, também estenderei meu trabalho a outras instituições e lutarei para ampliar os leitos de cardiologia e melhorar o atendimento a todos os alagoanos, principalmente aos que dependem dos SUS, continuando firme na missão que iniciei há 40 anos quando retornei à minha terra para implantar a cirurgia cardíaca.

Agradeço a confiança dos alagoanos, que ao longo dessas décadas escolheram e confiaram em nossa equipe e nosso compromisso de atender a todos com correção, humanismo e solidariedade.

Que Deus abençoe a todos.

Cordialmente,

Dr. José Wanderley Neto

 

ANEXO I

Maceió, 19 de dezembro de 2014 

 

À Mesa Administrativa da Santa Casa de Misericórdia de Maceió

Gostaria de expressar, por escrito, o que inúmeras vezes fiz verbalmente , sem ser levado em conta, sobre os rumos da cardiologia e da cirurgia cardiovascular da Santa Casa de Misericórdia de Maceió.

 É fato público o papel que teve a implantação do serviço de cardiologia e cirurgia cardiovascular na estruturação deste hospital e na Medicina de Alagoas. Podemos afirmar que colocou Alagoas no mapa cientifico do Brasil. Daqui saíram contribuições relevantes e originais que serviram de modelo para o país inteiro.

O programa de Transplante de Coração, iniciado há 25 anos, foi referencia  para todo o pais. O serviço formou mais de 70 médicos cardiologistas e cirurgiões em 35 anos de atividade. O impacto provocado pela estratégia de gerenciamento com a participação ativa dos médicos, sem nenhum tipo de remuneração, serviu de inspiração para os outros serviços do hospital e com essa sinergia em 10 anos a Santa Casa transformou-se no melhor hospital do Estado.

A cardiologia sempre foi o fio condutor dessas transformações. Implantamos a primeira UTI do Estado e com a evolução cedemos essa UTI para os clínicos e conseguimos com muito sacrifício dos médicos e apoio irrestrito da direção de então, aproximar a UTI do Centro Cirúrgico Cardíaco, criando a UTI cardiológica, condição ideal para se trabalhar com doentes graves que correm risco em deslocamentos e precisam de constantes reintervenções em ambientes diferentes.  

Mas não conseguimos o que seria ideal e mais seguro para os pacientes, que seria aproximar centro cirúrgico, UTI e Hemodinâmica, facilitando o trabalho da equipe de cuidadadores e melhorando a segurança dos pacientes. 

É fato também que há muito se tem tentado, sem sucesso, de forma sorrateira e às vezes ostensiva, desmantelar um dos serviços mais destacados da instituição. Mudanças são implementadas sem consulta a quem de direito e se eventualmente ocorre, não têm nenhuma consequência.

Conversas de corredor são plantadas com o objetivo claro de desmerecer o trabalho dedicado de todos. O serviço encontra-se operando com grande dificuldade e sem nenhuma interlocução com a direção.

Equipamentos sucateados, UTI com problemas crônicos de equipamentos e principalmente de pessoal, comprometem os resultados e levam a equipe a um esforço enorme para manter o atendimento regular.

Novos projetos que deveriam ser implantados visando acompanhar o desenvolvimento científico e atender à população, não encontram espaço para serem implementados e outros, que obtém bons resultados e tem grande importância social, são desativados. O maior exemplo é o programa de Cirurgia Cardíaca Pediátrica, que foi descontinuado, gerando grande prejuízo social.

Com o discurso de melhorar a estrutura, a direção nos impôs a transferência do centro cirúrgico da cardiologia para o centro cirúrgico Geral, num retrocesso sem precedentes, nos roubando uma conquista importante (não só da equipe, mas da segurança dos doentes) , de ter um teatro de operações contiguo à UTI. O movimento lógico seria melhorar o centro cirúrgico cardiológico, ampliar a UTI cardiológica e pensar em aproximar a hemodinâmica.

Essa idéia sem sentido vem sendo tentada de forma mais intensa nos últimos 6 anos, sem nenhuma sustentação técnica. Mais recentemente  a arrogância tem se exibido de forma mais ostensiva na forma de que é uma determinação  “superior”, “ou vai por bem ou vai na marra”, se sobrepondo ao interesse maior que, é o paciente, e desrespeitando o saber acumulado de pessoas que há exatos 40 anos se dedicam integralmente à cardiologia e à Santa Casa.

Gostaria de apelar à mesa administrativa para que pudesse abrir espaço aos médicos e outros profissionais para que, de forma serena, possam contribuir nos rumos da instituição. Se for um capricho, se atende a algum interesse oculto e for perpetrado este retrocesso, gostaria de expressar a discordância do grupo da cirurgia cardiovascular. É um retrocesso monumental. Não há como concordar. O que já está ruim fica pior.

Muito obrigado pela atenção dispensada e que Deus nos dê força para continuar essa luta em defesa da vida.

Cordialmente,

Dr. JOSÉ WANDERLEY NETO

 

ANEXO II

À Mesa Administrativa da Santa Casa de Misericórdia de Maceió

Prezados senhores,

Nós, abaixo assinados, médicos do Corpo Clinico desta instituição, alguns com mais de 50 anos de dedicação, estamos nos manifestando para tecer considerações sobre o momento em que vivemos e os rumos da Santa Casa, e chegamos a algumas constatações preocupantes que listamos a seguir:

1.       Distanciamento da Administração e da Direção Médica do seu Corpo Clínico, levando a desmotivação e insegurança;

2.       Desestruturação dos serviços médicos e progressiva terceirização, com eventual prejuízo para a assistência aos enfermos;

3.       Algumas peças publicitárias não condizentes a realidade do hospital;

4.       Esvaziamento do Conselho Médico e da Direção Médica;

5.       Alinhamento da Santa Casa de Maceió com os hospitais privados, criando a falsa impressão de bonança financeira que contrasta com o sucateamento de alguns serviços;

6.       Falta de participação do corpo clínico no planejamento e expansão dos serviços médicos e da própria instituição.

O dever de cidadania nos obriga a externar nossa posição e solicitar providências e mudanças de rumo, sob pena de desfigurar uma instituição secular que sempre se caracterizou pelo pioneirismo em suas ações e prioridade aos mais necessitados.

Solicitamos à Mesa Administrativa da Santa Casa de Maceió providencias no sentido de restabelecer a harmonia entre o Corpo Clinico e a Administração, que podem se iniciar por:

1.       Eleição direta de um Diretor Médico para interlocução com o corpo Clínico, de acordo com a Resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina – 1342/91);

2.       Restabelecimento do Conselho Médico como instância de decisão da atividade médica e regulação dos serviços médicos, subordinado ao Diretor Médico eleito;

3.       Acesso às receitas e despesas da instituição, seus custos reais e dos respectivos serviços, além da resolução dos problemas de repasse dos honorários médicos;

4.       Plano de reestruturação dos serviços médicos, hospitalares e ambulatoriais, a ser legitimado pelo Conselho Médico.

 

Maceió, 27 de janeiro de 2015

(Assinam os 110 médicos)

 

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